Todas as manhãs, dou comigo a acordar e a espreitar pela janela. Seja qual for o meu estado de espírito, é certo e definitivo que o ambiente lá fora vai afectar a minha forma de estar durante o dia…acordando triste ou feliz, o sol, o astro que todos designam por rei, ou a ausência dele no meu dia, irá sempre interferir no meu subconsciente, e consequentemente no meu modus operandi quer queira, quer não…aliás, penso que toda a pessoa se apercebe e certamente (inconscientemente) espreita lá para fora…
Hoje não olhei.
Hoje não espreitei…hoje não tive vontade de perscrutar o estado do tempo, em busca de refúgio para este sentimento, este temporal sem fim que se abate sobre a minha mente, já de si própria sísmica…porquê? Não tive coragem…
Como poderia eu sair para a rua esta manhã, sabendo que o tal astro-rei nem sequer compreendeu a minha luta interior, e está a brilhar radiosamente, como se eu simplesmente não existisse, como se eu simplesmente não estivesse em pleno conflito…por outro lado, se o próprio sol não aparecesse hoje, eu realmente compreenderia que a minha luta é tudo menos efémera e afecta o mundo à minha volta…
Mas quem me julgo? Alguém soberanamente poderoso e importante para que todo o mundo gire à minha volta? Alguém insignificantemente insignificante para que todo o mundo me ignore?
Não, decerto…mas apenas alguém que não acordou bem hoje. Só isso...
Estou em frente à televisão…em pequeno acordava muito cedo para ver os desenhos animados que eram transmitidos pela televisão, e bebia-os com sofreguidão, sempre que podia, sempre que me deixavam…aquela caixa tornou-se em tempos a minha dependência…aliás, de qualquer criança…
Agora estou em frente à televisão…alguém fala mas não consigo ouvir…passam imagens que não consigo compreender ou associar…tudo algo vago, desfocado, longínquo…não tenho paciência. Mudo de canal…outra vez…e outra…
Desligo-a. Não tenho cabeça.
Vou à cozinha…procuro algo que me conforte e me aqueça por dentro…café é algo aconchegante…talvez…mas mera ilusão…torna-se morno, frio ao passar pelo meu aparelho digestivo…sinto-me pior, indisposto…o que é que se passa comigo hoje? Porque não fui ver como estava hoje o tempo? Não, é melhor não…
Talvez um duche.
O meu chuveiro encharca-me com água há quinze minutos…vinte…meia hora…
Nem reparo. Desligo-o inconscientemente…saio do banho, as minhas mãos vestem-me sem lhes pedir…automaticamente. Hoje não estou bem…hoje não acordei bem…
Que sentimento é este que me consome? Quero gritar, mas sei que a minha garganta rebentaria…quero desaparecer, fugir, mas de nada me serve…
Quero chorar.
Sinto que se começar, não tenho a certeza de conseguir parar…
Mas porquê? Mas que tempo está lá fora? Vou ver.
Subo as escadas lentamente…pondero…hesito…reflicto…se calhar…
Mas já cá estou em cima…não posso recuar e entro no quarto…porém isto que toma posse de mim intensifica-se…que aperto no coração…que ansiedade…que angústia…
Aproximo-me da janela…afasto os cortinados…ergo as persianas…