2 de maio de 2012

Haja respeito pelo futebol...


Custa-me a aceitar que nos dias de hoje queiram atribuir ao futebol uma equivalente falta de respeito à que nos impele a política, e que queiram até vituperar a sua importância nos mesmos moldes. Irrita-me encontrar constantemente gente que defende o clube atacando o que o clube do adversário fez em situações transatas, utilizando isso como subterfúgio. C'um raio, até parece que estão a discutir o que cada um dos partidos políticos fez ou não fez no governo! Haja respeito pelo futebol, meus senhores!

Não se pode defender  o fato de o nosso clube ter sido beneficiado com o fato de ter sido prejudicado uma mão cheia de vezes, ou atribuindo ao clube do detrator a mesma mão cheia de vezes em que foi beneficiado nesta época! Isso não  é argumentação, é argumentação política!! Por amor de Deus!! 

Podemos sempre aproveitar e falar no investimento em jogadores de qualidade, no aperfeiçoamento da filosofia de jogo, da quantidade de apoiantes que estiveram na bancada e como isso impeliu o nosso clube para a frente, conquistando a bola e dominando a sua posse por um maior período de tempo, criando até muitas oportunidades de perigo. Podemos defender que a filosofia deste treinador, com  sistemas e modelo de jogo que parecem criar uma grande identidade dentro do clube, que todos se revêem nos seus métodos, e que isso só pode criar uma atmosfera positiva que leva a bons resultados nas competições a médio-longo prazo! Isto sim, fomenta uma atitude positiva dos adeptos defendendo a sua própria equipa sem atacar as outras, simplesmente porque acreditam nela, na sua história e nas suas máximas desportivas, mesmo que esses resultados não apareçam no imediato. Agora nunca é de descurar o profissionalismo e a ética de desporto porque desde logo é possível que muitos adeptos, aqueles que tão apaixonadamente acreditam nesses alicerces íntegros, deixem de pagar as quotas e de ir assistir aos jogos no estádio, e passem a vê-los na televisão ou queiram saber apenas o resultado no final do jogo.
Por isso já tenho dito várias vezes e repito, não queiram passar a discutir futebol como se de política se tratasse, porque essa comparação falaciosa rebaixa o futebol a um nível de um assunto que não interessa a ninguém, o que não é verdade. O fundamental é mantermos a confiança ideológica com orgulho na nossa equipa por nos identificarmos com esta, senão nem vale a pena tentar defender algo em que nós próprios não acreditamos com tão frágeis argumentos.

13 de abril de 2012

Gosto porque sim. E isso é estúpido.


A ideia de partilha de modos de estar e sentir através de, por exemplo, redes sociais atormenta-me, quanto mais não seja pela perda de identidade individual em detrimento do sentimento de fazer parte de um grupo. É a ideia de gang que se generaliza e a perda de valor individual.
Quando vejo alusões, como frases ou vídeos, a autores que aprecio fico furioso, pois não suporto que haja alguém com uma relação com aquele pedaço de mim. É-me fácil aconselhar alguém a ver, mas não gosto da partilha de emoções específicas em relação a uma cena, ou a uma frase, mas sim da troca de perspectivas. Sinto que a minha individualidade se perde na partilha, e custa-me a aceitar que as pessoas gostem especificamente do mesmo aspecto que eu, quando aquilo faz parte de mim, e não quero pertencer a um grupo de gente que abertamente gosta do mesmo. Não por me achar superior, mas antes por achar que se quebra algo na minha construção cultural.
Mas parece que a Internet, no processo inverso veio criar a ideia da partilha de emoções, e não a partilha de cultura. Ninguém no facebook diz: aconselho vivamente este livro ou filme, toda a gente dá a sua opinião pessoal, quantifica o gosto do mesmo, partilha uma frase que passa, por vezes na parvoíce, como profunda, identifica-se com uma música de um album de uma banda e espera a generalização do seu gosto e que outras pessoas dêem a essa opinião determinada importância. Perde-se portanto na divulgação de cultura e ganha-se na divulgação de opiniões, criando um ciclo que pode vir a generalizar. Como um gang, gera-se um conjunto de pessoas dispostas a defender essa opinião de gosto, contra as pessoas que não concordam, provocando em vez de um saudável debate, um tiroteio irracional de palermices ditas, no fundo um "ou é isto ou és estúpido porque sim e mais nada". A massa crítica individual perde-se pela influência do tal gang, onde se geram estas famigeradas manifestações comuns de gosto. Trata-se assim de uma educação geral do gosto, como se de matemática ou religião se tratasse. E não considero nada disto saudável. A cultura pertence a todos mas tem de ser vivida interiormente  e não em grupo, até porque se tal acontecer não se ganha nada em partilhar a mesma experiência com uma pessoa ou pessoas que já pensam, ou dizem que pensam da mesma maneira, porque à partida o nosso gosto individual estará condicionado pelo gosto do grupo em que nos inserimos, uma noção que abomino.
Numa nota final, também a aparência de cultura é desencadeada a partir deste tipo de interação social, e quase que é impelida para aceitação no tal gang, e o oco cultural ocorre, e o senso crítico perde-se por aí.  O comentário em relação a uma obra cultural, apesar de partir da boca da pessoa, pode ter surgido através do grupo onde essa pessoa se considera incluída, pois considerando o historial de gosto do grupo, a opinião de rebanho é novamente manifestada, sem que forçosamente haja uma interação individual com a obra, mas uma interação indirecta através do rebanho. Assim, já não é raro ouvir alguém falar solenemente de um filme ou livro que talvez nunca lhe tenha passado pelas mãos ou olhos, e formar um juízo inicial apenas porque sabe que existem já opiniões idênticas dentro do grupo da sua largura de banda de gosto. Ou porque leu algo sobre o assunto de um crítico com quem sente afinidade, ou por outra razão qualquer. A troca de impressões é saudável quando não há unanimismos nem fundamentalismos colectivos.
Por isso não me espantou tanto que, numa entrevista, os apresentadores de um novo programa sobre cinema no Hollywood tenham dito, legitimamente: "[...]como não temos tempo para ver os filmes, recorremos aos trailer e a opiniões na net…" mas, que apesar disso "[...] somos nós que escrevemos os textos[...]". Párem com isto, por favor, chega de brincar ao "diz que sabe", tenho ainda a integridade na mais alta conta.

Pode até parecer que me contradigo ao gostar de escrever opiniões num blog, mas apesar de tudo a crítica é individual e da responsabilidade de quem emite a opinião, mas quem dela se apropria e a retém como sua, sem a dissecar a partir do seu ponto de vista é a meu ver, isso sim, ridículo.

12 de abril de 2012

O ato de atar o sapato...

Como é do conhecimento generalizado, a utilização dos sapatos com atacadores vem, pelo menos desde há cinco mil anos, 3000 a.C., apesar de a patente ter sido registada, oportunamente, por volta dos anos 70 do passado século.  Ao longo do tempo, a resistência, qualidade do material e comprimento, entre outros, do atacador ou cadarço sempre foi muito apreciada. Mas, sendo eu um leigo no modo técnico de fabrico, não vou aqui emitir juízos sobre possíveis deficiências nessa execução, e peço perdão ao leitor se, por esta decisão, lhe suprimi desde já o interesse em relação a esta crónica.
Contudo prefiro referir-me ao seu aspecto social, sobre o ato de atar um sapato. De um modo geral, é uma prática que colhe menos adeptos nos dias de hoje,algo que era corriqueiro observar-se há alguns anos, é um ato que considero à partida de suprema utilidade, numa camada superficial de análise por mais que não seja pelo fato de o ato de atar em si representar que a partir daí, por um finito mas seguro intervalo de tempo, não corremos o risco de malhar com os cornos no chão devido, lá está, ao incumprimento ou desmazelo em relação a tal tarefa.

Escrevia eu que esta é agora uma prática mais remota. Pois bem, aos poucos nota-se que se vai perdendo esse gesto na rua, mas admito que pessoas ainda o pratiquem com solenidade em casa. Mas a modernidade altera a realidade e com ela os tipos de sapatos, optando muito boa gente por outro tipo de calçado, mais na moda, talvez. Aproveito aqui também para demarcar o meu texto de instintos referentes a moda, pois o rústico em mim preferirá sempre a segurança e o conforto.
Mas confesso que até já observei com misantropia em lojas e ruas sapatilhas sem atacadores, mas apenas com os orifícios, os passantes. E pessoas em praça pública carregando abominável calçado. Ora, com franqueza... tudo bem que por exemplo o velcro até pode ter ganho o seu espaço em dias que já se contam à lareira em noites de tempestade,  e ao qual devo até atribuir mérito, apesar de não apreciar por inteiro esse tipo de atamento. Poderia estar para aqui a articular uma rábula do ofendido mas confesso que sou tolerante ao velcro, até por considerar a óbvia dificuldade na deficiência ou nas doenças reumáticas neste ponto. Mas a indulgência extingue-se nesse campo dos sapatos de atacadores, com passantes, sem os próprios cadarços. Que ultraje!

É evidente que atribuo certas inconveniências em relação ao ato. Nem tudo são rosas. É certo que ao caminhar com o grupo de amigos nos sentimos restringidos para atar o atacador desapertado , e arriscamos até alguns passos antes da decisão sóbria pela segurança, pois ao atuar, atando o sapato, cumpre perder-se tempo na passada, perder o ritmo do andamento, parar, perder o fio da conversa, ficar para trás. E talvez nestes tempos que correm, ao regressar ao grupo, com embaraçosos passinhos corridos, se possa ouvir uma ou outra boca acerca dos atacadores presentes no calçado ou até um atentado à habilidade, e consequentemente, à honra da pessoa no cumprimento da ação. Mas hoje em dia até se assiste já uma certa profissionalização na medida em que por vezes encontramos pessoas que, acelerando o ritmo, dão largos passos de avanço, como que medindo o tempo para atar o sapato, de modo a serem alcançados na altura exacta da conclusão do nó. É obviamente um reflexo da predestinação dessas pessoas para o ato de atar.
Por outro lado há a inconveniência do nó a utilizar, principalmente se tivermos formação na área dos nós, não queremos ficar mal vistos perante a sociedade, até porque existem, segundo os estudos, mais de trinta formas comprovadas de atar um cadarço corretamente. A um marinheiro ou escuteiro requer-se que tenha sempre os atacadores apertados exemplarmente, por exemplo. A decisão a tomar quanto ao nó é bastante delicada, e ao menor erro qualquer nó direito intermédio poderá resultar num processo de "nó cego" que , caso o atador não possua unhas salientes e fortes, bem como também um forte sentido de resiliência, pode tornar-se num processo difícil de reverter. Peço ao leitor que neste caso confie no meu relato pois com infelicidade eu próprio já fui sujeito a essa experiência e é algo que não desejo a ninguém. Aconselha-se, portanto, cautela e neste aspecto o ambiente familiar é o responsável em primeira instância  por uma educação vocacionada para o ato de apertar os sapatos com atacadores.
 Não quero com isto fazer juízos de valor em relação a famílias cujos representantes andam de sapatos mal apertados ou desmazelados, pois sabe-se que a rebeldia da juventude  é saudável e determinante no processo de crescimento e desenvolvimento intelectual , e até o próprio risco é marca dessa mesma tentativa de afirmação e demarcação, e nesse risco incluo essa prática de consciente desmazelo. Eu próprio, confesso, nos tempos áureos da inocente juventude me vi a comprar atacadores com o objectivo de não os atar, sim, pois a coloração dos mesmos e a sua largura apelavam preferencialmente à ostentação e não à segurança do sapato ou sapatilha. Mas quem sabe se de gestos simples como este não poderão eventualmente resultar na germinação de princípios ideológicos de índole mais fundamentalista na mente dos jovens de hoje?
É este o mais desolador retrato de uma sociedade em manifesto declínio.

2 de abril de 2012

Tanta coisa...


Sei quem é o primeiro Rei de Portugal, claro. O Segundo? Não.  Nem o último. Não percebo nada de história de Portugal. Ouvi falar de Napoleão mas isso da Revolução Francesa... 1789? Nah, sei lá, foi o ano da Independência do Brasil? Ah é isso da França, tá bem.  Sei lá eu da história da França.

Sim estava a falar do Brasil. Quem o descobriu? Deve ter sido o Magalhães, para darem o nome ao computador, né? Vê, 1800 e tal, não falhei muito!! Ipiranga não, só conheço guaraná. D. Pedro? Sei lá, Getúlio Vargas? Foi rei lá? Ah o Pelé sei, esse sim, é o rei. Do Brasil só sei as telenovelas e mal.

Capital de onde? Isso é um país? Oh, sei lá, já dei geografia há tantos anos, nem gostava da professora, tinha uns vestidos muito esquisitos.

Alcatraz? Claro, é a prisão do Nicholas Cage. Pergunte-me o que quiser de cinema.
Lumière, Griffith, Murnau,Welles, Lang, Buñuel, Antonioni, Fellini, Leone, Kubrick,Truffaut, Tarkovski? Sei lá, isso são actores ou tá a inventar? Ah já morreram, ainda por cima? Oh, não tenho pachorra pra ver filmes velhos. Mas olhe, nem novos, então essa porcaria que apareceu que é o Twilight, já viu? NÃO VIU, ATÃO NÃO VEJA QUE ISSO É UMA PORCARIA, veja ao menos o Harry Potter. TAMBÉM NÃO VIU O HARRY POTTER??? O QUÊ?? COMO É QUE É POSSÍVEL!!! QUE TRISTEZA, e depois o inculto sou eu!

Guerra do Golfo? Foi contra o México, não foi? Não? Epah pronto não sei, isso não é a minha praia. Omaha? Normandia, dia d? Sei lá, quero lá saber de guerras, era bom é que parassem com as guerras, o pessoal quer é paz.
A bandeira de Portugal? A área? Então o verde e o vermelho são iguais. Não são? Pensava que sim...E depois tem aquela gaita amarela no meio...

Cervantes? Voltaire? Proust? Goet..quê? Eit sei lá! Ah, é livros, não gosto de ler, é uma perda de tempo.
Rachmaninoff, Schoenberg, Stravinski, Mahler? Strauss? Qual Von Karajan? Nah.. Ah música, tá bem, só conheço os grandes como o Mozart. Compôs o quê? Olhe agora de repente não me lembro dos nomes mas por exemplo aquela assim: tantantan tan, tantantan tan.. Não, ah pois, Beethoven, isso.Não percebo muito, não gosto. Gosto dos Beatles, esses sim, são grandes. Album? Não conheço albuns, conheço a Imagine, é brutal.

Michelangelo? Foi o gajo da Mona lisa, acho eu, mas não me interesso muito por essas tralhas. Gosto é de fotografia.  Hã? Ansel Adams, Liebowitz não, nada disso, a minha é uma Canon.

Política? Eit, quero lá saber disso, são todos uns aldrabões! Então o Socrates é o pior! Ah, pois, agora já não é o Sócrates, é outro qualquer.. Mas é tudo o mesmo!
 Ahahahah, agora está a gozar comigo, sei lá eu como é que se planta uma couve! Nem gosto de couves, quanto mais...
Por que é que eu me interesso? Sei lá, por tanta coisa...

28 de março de 2012

Tautologias e Pleonasmos*


Não tenho a certeza absoluta qual o elo de ligação que despoletou de repente este tema. Penso que há uns anos atrás li qualquer coisa parecida do Bagão Félix n’A Bola sobre desporto, isto agora mais recentemente aliado a um ou outro discurso oral de políticos. Outra alternativa a isto seria eu próprio estar sentado com o rabo no sofá. Não, pensei para comigo, vou antes escrever umas palavras sobre este assunto tendo em conta a minha opinião pessoal. Não planeei antecipadamente isto e não é decerto uma nova criação, mas não fosse o título e as palavras destacadas a negrito, e o texto seria certamente uma surpresa inesperada e até uma parvoíce para quem o lesse, pois chegando ao fim não haveria propriedades características suficientes de modo a que a pessoa humana percebesse o significado do mesmo. Continua na mesma a ser uma parvoíce mas é engraçado constatar que utilizamos estes erros sintáticos de linguagem quotidianamente juntamente com outros tantos e se é certo que seremos todos unânimes em notar que uns são demasiado ridículos, como subir para cima uma subida para chegar ao cimo, haverá uma multidão de gente que nem repara com atenção nos detalhes mais minuciosos de um ou outro tropeção linguístico mais recôndito. Estarei porventura a ser demasiadamente excessivo nesta sátira mas contudo é um fato real e que possivelmente poderíamos nunca vir a encarar de frente!
*Com agradecimento especial à wikipédia, assim não custou nada.

6 de junho de 2011

Paul Thomas Anderson #5


Creio que no fim da carreira de Paul Thomas Anderson iremos recuar até "There Will Be Blood" e classificá-lo como a verdadeira herança deste realizador em favor do grande cinema americano. Todo o fotograma deste filme é épico e a performance de Daniel Day-Lewis inigualável no panorama cinematográfico da década passada.




9 de maio de 2011

Paul Thomas Anderson #4


Num filme não aconselhável a autistas, epilépticos, nem a malta com uma janela de atenção inferior a 15 segundos, Paul Thomas Anderson trabalha no contraste.

No mundo de Barry Egan (Adam Sandler) a solidão no trabalho coexiste com a multidão das suas 7 irmãs, a sua apresentação exterior arranjadinha é cápsula duma essência paranóica que se opõem à candura de Lena Leonard (Emily Watson).

Neste branco e preto em que viajamos ao longo do filme, senti-me um pouco perdido. Não sei se quando Barry fugia dos rufias ou quando ia coleccionando iogurtes pelos cupões, o carácter estrambólico do que observava ia bloqueando o sub-texto que podia emergir do tal jogo de contrastes. Na fim o paranóico acabou por dominar sobre o cândido.
O titulo original do filme é "Punch-Drunk Love". Confesso que apenas me senti punched.

25 de abril de 2011

Paul Thomas Anderson #3

Escrevi sobre "Magnólia" há quatro anos neste blog. Obviamente que hoje a minha visão sobre o filme não é a exacta replica do olhar que sobre ele exerci na altura, mas ao reler a minha pobre crítica consigo reter com a mesma firmeza de opinião o seguinte aforismo como curta sentença deste terceiro filme de P. T. Anderson.

"(...) porque é personalizado sem ser autista, (...) gostei."



24 de abril de 2011

Paul Thomas Anderson #2


Custa-me escrever sobre um filme que não gostei, ainda mais explicar o que me levou a não gostar.


Todo o ser pensante é influenciável e a expectativa que temos sobre algo é indissociável
(results may vary) da apreciação desse mesmo objecto, por isso, depois de ler e ouvir que este é que era o filme de lançamento do P. T. Anderson, que com "Boogie Nights" ele se tinha emancipado dos outros realizadores-projecto, não escondo o meu desapontamento. Curiosamente é esse o sentimento sobre o qual versa o filme: a quebra de expectativas, a subida e a descida do pedestal.

Reconheço no entanto méritos na abordagem ao tema do filme, o mundo da pornografia, feita por uma via menos óbvia e dessa forma fugindo à obscenidade que não seria gratuita mas decerto oca de virtude. Outra subtileza residiu na cor ou de como os tons vivos insinuavam a luxuria que a lente queria esconder.
Tudo o resto pareceu-me de curto fulgor e sem ponta da classe que no filme anterior "Hard Eight/Sidney" me tinha aturdido. Além disso, o limbo entre drama e retro-comédia sobre o qual caminha a narrativa não me cultivou o ânimo nem a atenção.


Fica porém uma cena no cardápio da memória, aquela onde participa Alfred Molina no papel de um insólito traficante de droga que, entre o som de
'Sister Christian' e os rastilhos que o seu chinês de estimação vai estoirando, hospeda uma insana e hilariante sequência de acontecimentos que assinalarão o 'turning-point' do argumento. É o talento demonstrado na condução e montagem desse momento que nos lembra que foi afinal P. T. Anderson quem esteve por detrás da câmara desde o inicio.


15 de abril de 2011

Paul Thomas Anderson #1

Uma das coisas que a era da televisão digital nos tirou foi o sentimento de refém. Explico. Hoje vemos apenas o que queremos, seja à hora em que o jogo/filme/série é programado ou depois de gravado e visto sem prejuízo de intervalos para apetites ou necessidades. Deixámos então de ser dependentes daquilo que os canais tradicionais escolhiam para nós, e de seguida o meu ponto: A verdade é que a margem que o programador tinha para nos surpreender desapareceu.
Não vou fazer de velho do Restelo e dizer que antigamente é que era bom, o serviço que podemos desfrutar de MEO's, ZON's, IRIS's e toda essa fruta são de um conforto há muito desejado por quem, como eu, exasperava com intervalos imensos, atrasos de programação e bexigas cheias quando o drama estava no auge.


Mas voltando a dar razão a quem disse que uma pessoa sem a capacidade para se admirar com algo inesperado pouco difere de alguém morto, relembro com inevitável nostalgia as longas noites de cinema avulso que consumia no meu quarto pela televisão HITACHI com antena encimada. Quando a época era alta e o sono curto, muito lixo visual aturei, mas não raras vezes aparecia um filme cujo o nome não conhecia, não sabia de quem era ou quem entrava, mas do qual não conseguia desviar os sentidos. Em conjugação com esta ingenuidade cultural havia ainda a escassez de on-line info, vulgo imdb, e portanto podiam passar vários meses ou vários anos até conseguir chamar pelo nome o filme que me tinha arrebatado. Pois bem, não há filme que se rotule melhor dessa marca que o primeiro do P. T. Anderson, que curiosamente tanto podemos chamar de "Sidney" com "Hard Eight".


As suas particularidades de estilo, a forma como o nível de tensão é sempre constante mas nunca nos fatiga, até a própria e ligeira implausibilidade do argumento capta de tal forma um espectador-transeunte que a nossa noite branca passa a fazer parte da memória. Com os mesmos moldes que farão 'Boogie Nights' e ' Magnólia', P. T. Anderson guia-nos neste filme através dos personagens. A magia aqui não está na fotografia, não está nos efeitos especiais, não está nos twists de narração, está na relação de Sidney (Philip Baker Hall) com o seu protegido John (John C. Reilly) e no meio para qual o traz e onde o devolve à vida: a noite e o jogo.

Entre a nossa solidão e a solidão de Sidney cria-se um pacto, nós não o deixamos de ver, ele não nos deixa de falar e enquanto o filme dura não nos sentimos sós.

3 de janeiro de 2011

a redescoberta da televisão.

Escrevia aqui há uns tempos o Sábados, falando da sua, na altura recente, redescoberta da rádio.

Pois bem, por motivos diferentes, estou numa etapa em que começo a redescobrir, não só a rádio como também a televisão. E isto deve-se... à Internet.

É verdade, a facilidade de acesso a uma monstruosa quantidade de informação que nos é facultada pela internet noutros tempos afastou-me dos demais meios de comunicação (não abdiquei contudo do ritual jornal+café+copo de água).


Ironicamente ou não, essa facilidade de acesso a informação passou agora a aproximar-me dos esquecidos. À cabeça das razões do retorno a necessidade do audiovisual intrínseca na minha geração e principalmente a independência da grelha de programação dos conteúdos (contextualizados para fazer face aos objectivos de sharing e de audiências para alegrar accionistas), que nos permite visualizar o que queremos, quando queremos. É nessa, lá está, acessibilidade, ou comodidade, como queiram, que reside a atracção, e possibilita a entusiasmante descoberta de conteúdos de qualidade de que nem se sabia existirem.

MarcoAJLopes escreve de acordo com a antiga ortografia
(por não se ter ainda dado ao trabalho de saber em absoluto as novas regras do acordo)

30 de agosto de 2010

Hannah and Her Sisters





"Mickey - (...) I need a dramatic change in my life!
Mickey's father-  So you're gonna believe in Jesus Christ??
Mickey- I know it sounds funny, but I'm gonna try"


É um dos melhores que já assisti de Woody Allen, o enredo é bastante agradável.
Penso que se tratou de um exagero o óscar do Michael Caine, aliás nem ele acreditou, quando há por exemplo o Platoon nesse ano, mas são opiniões. Bom, talvez se entenda, quando se tem em conta que havia cenas dele com a Mia Farrow (na altura mantinha uma reacção com Woody Allen) em casa dela, na cama dela, sob o olhar do realizador e às vezes também do ex-marido. Havia certas falas em que a sua personagem dizia violentamente: "I hate kids", entre outras. Em entrevista ao Times, Caine dizia que a meio das filmagens Mia Farrow perguntava-lhe:" tens muitas falas dessas não é? Isto é o Woody a mandar-me recados através de ti.". Nessa altura Mia já carregava uma equipa de futebol americano atrás, filhos e adoptados e enteados.
Neste a realização é firme. Gosto dos planos sequência que seguem Allen ao longo do estúdio na apresentação da personagem.

Gosto do escritor Woody Allen. Já o realizador por vezes nem me aquece nem arrefece. Por exemplo no "Cassandra's Dream", o escritor roça a perfeição, já o realizador é deveras mediano. É de resto algo que se aplica, na minha opinião, a uma boa parte da obra deste realizador. O culto gerado é digno e merecido, mas por vezes exagerado, pois reconhecer um homem como grande realizador em grande parte pela qualidade do que escreve parece-me uma indução um pouco inadequada.
.

20 de julho de 2010

Deixe os sentidos à solta


"No que os olhos vêem e os ouvidos escutam, o cérebro não tem nada que mexer." - Desconhecido (alguém deve ter escrito alguma coisa assim parecida, pensando melhor, talvez não.)

Adoro formalistas.
O rótulo não enche Roman Polanski em todas as dimensões, mas gosto de pensar no seu filme 'Ghost Writer (O Escritor Fantasma)' como objecto de formalismo. No fim, decerto esquecerão o enredo, esquecerão a parábola política, esquecerão Ewan McGregor, Kim Cattrall, Pierce Brosman, Olivia Williams, Tom Wilkinson, Eli Wallach,
(estes últimos talvez não)
e da sala de cinema sairá convosco a imagem de páginas a esvoaçar sobre o asfalto e os queixos caídos de quem viu como acabou, depois a lembrança da casa e da sua solidão insular, recheada de tecnologia mas em redor só água, areia e ervas ao vento.
Haverá poucos fotógrafos com esta habilidade para mostrar a natureza virgem, e também a que cai molhada dos céus de Londres. Aqui ambas quase sempre vistas do interior, no conforto do mobiliário moderno, com os fatos impecáveis e o café quente na mão.

Quando este recolhimento é rompido e de bicicleta alguém ousa sentir a chuva nas fuças, um ancião lhe lembra que talvez seja o homem errado no sitio errado, como aqueles sujeitos nos filmes do Hitchcock. Não temos o Bernard Herrmann mas o Alexandre Desplat (compositor do filme) faz-nos a gentileza de o lembrar também. Isto e outras coisas, num ritmo amadurecido e lapidado, ajudam o nosso escritor incógnito a nos levar consigo pela intriga internacional, onde outro fantasma se adensa numa subtileza de invejar (Tony Blair não fará deste filme um dos seus favoritos).
Repito para fazerem vista grossa à inabilidade da maior parte do elenco, ao atrapalhado ensaio de ligações amorosas, à superfície plana da qual o filme não se eleva ou afunda e à excessividade de comic reliefs, por vezes parecem saídos de uma aventura do 007.
Recusem o whisky que se bebe de um gole só, (quem vir o filme compreenderá a metáfora, já a inépcia de quem a escreve é de constatação imediata) porque o que Polanski nos quer servir é um vinho, que da parra se retira e no âmago humano se detém.

7 de julho de 2010

Intro: This is the end, beautiful friend.



Um objecto que começa assim, poucas hipóteses tem de escapar à eternidade.

18 de junho de 2010

José Saramago [1922-2010[

«Ficou um largo silêncio depois destas palavras, Maria à espera que Jesus falasse, Jesus dando voltas a uma inquietação que não conseguia dominar. Por fim, perguntou, Aquilo que penduraste na porta para que nenhum homem entrasse, vais retirá-lo. Maria de Magdala, (...) Fez uma pausa e rematou, O sinal que está dependurado na porta, continuará lá, (...)»

em 'O Evangelho segundo Jesus Cristo'.