15 de abril de 2011

Paul Thomas Anderson #1

Uma das coisas que a era da televisão digital nos tirou foi o sentimento de refém. Explico. Hoje vemos apenas o que queremos, seja à hora em que o jogo/filme/série é programado ou depois de gravado e visto sem prejuízo de intervalos para apetites ou necessidades. Deixámos então de ser dependentes daquilo que os canais tradicionais escolhiam para nós, e de seguida o meu ponto: A verdade é que a margem que o programador tinha para nos surpreender desapareceu.
Não vou fazer de velho do Restelo e dizer que antigamente é que era bom, o serviço que podemos desfrutar de MEO's, ZON's, IRIS's e toda essa fruta são de um conforto há muito desejado por quem, como eu, exasperava com intervalos imensos, atrasos de programação e bexigas cheias quando o drama estava no auge.


Mas voltando a dar razão a quem disse que uma pessoa sem a capacidade para se admirar com algo inesperado pouco difere de alguém morto, relembro com inevitável nostalgia as longas noites de cinema avulso que consumia no meu quarto pela televisão HITACHI com antena encimada. Quando a época era alta e o sono curto, muito lixo visual aturei, mas não raras vezes aparecia um filme cujo o nome não conhecia, não sabia de quem era ou quem entrava, mas do qual não conseguia desviar os sentidos. Em conjugação com esta ingenuidade cultural havia ainda a escassez de on-line info, vulgo imdb, e portanto podiam passar vários meses ou vários anos até conseguir chamar pelo nome o filme que me tinha arrebatado. Pois bem, não há filme que se rotule melhor dessa marca que o primeiro do P. T. Anderson, que curiosamente tanto podemos chamar de "Sidney" com "Hard Eight".


As suas particularidades de estilo, a forma como o nível de tensão é sempre constante mas nunca nos fatiga, até a própria e ligeira implausibilidade do argumento capta de tal forma um espectador-transeunte que a nossa noite branca passa a fazer parte da memória. Com os mesmos moldes que farão 'Boogie Nights' e ' Magnólia', P. T. Anderson guia-nos neste filme através dos personagens. A magia aqui não está na fotografia, não está nos efeitos especiais, não está nos twists de narração, está na relação de Sidney (Philip Baker Hall) com o seu protegido John (John C. Reilly) e no meio para qual o traz e onde o devolve à vida: a noite e o jogo.

Entre a nossa solidão e a solidão de Sidney cria-se um pacto, nós não o deixamos de ver, ele não nos deixa de falar e enquanto o filme dura não nos sentimos sós.

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