27 de março de 2008

Paragem de Autocarro


Chegado à paragem de autocarro do 33 na Portagem, deparo-me com um indivíduo, senhor dos seus 60 e tal anos, por aí, a ler o DN sentado no banco com perna traçada. Consulto o horário afixado. Próximo autocarro 11h. Consulto o relógio: 10h35. Tenho tempo. Sento-me no banco, retiro o Público acabado de comprar de dentro da minha pasta característica de Estudante de Coimbra, traço a perna também, quase no gozo, com um breve cumprimento:

-Bom dia.

Breve “bom dia” de resposta.

Preparo-me então para ler os seus artigos de opinião, com o Esteves Cardoso a queixar-se da operação que iria fazer no dia seguinte à coxa, queixando-se da vida, coitado, quando oiço ao meu lado:

-Estuda no Pólo II?

-Sim, por acaso.

-O quê?

-Engenharia Electrotécnica.

-E isso tem algum tipo de perspectivas?

Eu olho para o homem...”Como? Não percebi”. Ele repete a pergunta e eu respondo-lhe com um breve: “Tem muitas, felizmente”.

-Pois agora com o Bolonha, é uma miséria. Eu tirei Direito com 11 na minha altura mas n tenho medo nenhum de ser posto à prova contra um indivíduo de 20, agora sai tudo mal preparado.

-Sim, de facto, concordo com a sua perspectiva.

E então começa:

- A mentalidade portuguesa é miserável, somos todos medianos com um certo medo de assumir responsabilidades, tentando sempre o mais cómodo. Mas isto nem sempre foi assim.

Pronto, e depois disto, e depois de malbaratarmos tremendos adjectivos pouco dignificantes por Justiça, serviço de Saúde, a mania de tentar atingir a perfeição da sociedade característica da mentalidade de “esquerda”, a mania da posse da cultura por parte da “esquerda”, o facto de os sucessivos governos pouco se sujeitarem a alterações de fundo e andarem a acariciar a “rama”, já temos umas 6 pessoas a assistir à nossa discussão. E então oiço:

-É por estas e por outras que o país não avança. O Salazar tinha o país fechado ao exterior mas não deixava os incompetentes chegarem perto dele.

E eu começo a pensar. Hum…Não é incomum os mais velhos referirem-se aos bons tempos do regime totalitário. Mas há aqui qualquer coisa…

-Quando tirei o curso, éramos muito menos mas muito mais capazes. Os comunistas queriam que ganhássemos todos o mesmo, mas atenção! Se eu ganho mais de reforma é porque mereci e estudei mais do que outras pessoas e mereço pelo que fiz na vida. Mas agora estamos rodeados de jovens a tirar o curso sem perceberem nada do que fazem cá.

E foi aqui que percebi a teoria da velha guarda de “Direita”: segundo estes filósofos, só os chamados predestinados teriam direito a uma educação de ensino superior, com as regalias todas que advêm de tal. Daí todas as reservas que frequentemente se impõem aos “velhos do Restelo” de Direita.

Felizmente que apareceu o autocarro. Senão era capaz de espetar uma pequena boca ao homem. Enfim, mas não entrei no autocarro sem um:

-Olhe é por estas e por outras que o nosso país não avança.

Ele não percebeu. Pensou que estaria a concordar com ele. Não se perde nada.

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