20 de julho de 2010

Deixe os sentidos à solta


"No que os olhos vêem e os ouvidos escutam, o cérebro não tem nada que mexer." - Desconhecido (alguém deve ter escrito alguma coisa assim parecida, pensando melhor, talvez não.)

Adoro formalistas.
O rótulo não enche Roman Polanski em todas as dimensões, mas gosto de pensar no seu filme 'Ghost Writer (O Escritor Fantasma)' como objecto de formalismo. No fim, decerto esquecerão o enredo, esquecerão a parábola política, esquecerão Ewan McGregor, Kim Cattrall, Pierce Brosman, Olivia Williams, Tom Wilkinson, Eli Wallach,
(estes últimos talvez não)
e da sala de cinema sairá convosco a imagem de páginas a esvoaçar sobre o asfalto e os queixos caídos de quem viu como acabou, depois a lembrança da casa e da sua solidão insular, recheada de tecnologia mas em redor só água, areia e ervas ao vento.
Haverá poucos fotógrafos com esta habilidade para mostrar a natureza virgem, e também a que cai molhada dos céus de Londres. Aqui ambas quase sempre vistas do interior, no conforto do mobiliário moderno, com os fatos impecáveis e o café quente na mão.

Quando este recolhimento é rompido e de bicicleta alguém ousa sentir a chuva nas fuças, um ancião lhe lembra que talvez seja o homem errado no sitio errado, como aqueles sujeitos nos filmes do Hitchcock. Não temos o Bernard Herrmann mas o Alexandre Desplat (compositor do filme) faz-nos a gentileza de o lembrar também. Isto e outras coisas, num ritmo amadurecido e lapidado, ajudam o nosso escritor incógnito a nos levar consigo pela intriga internacional, onde outro fantasma se adensa numa subtileza de invejar (Tony Blair não fará deste filme um dos seus favoritos).
Repito para fazerem vista grossa à inabilidade da maior parte do elenco, ao atrapalhado ensaio de ligações amorosas, à superfície plana da qual o filme não se eleva ou afunda e à excessividade de comic reliefs, por vezes parecem saídos de uma aventura do 007.
Recusem o whisky que se bebe de um gole só, (quem vir o filme compreenderá a metáfora, já a inépcia de quem a escreve é de constatação imediata) porque o que Polanski nos quer servir é um vinho, que da parra se retira e no âmago humano se detém.

1 comentário:

MarcoAJLopes disse...

Tenho a mesma opinião que tu em relação ao filme. Saí da sala e pensei: Epah que filme tão agradável de se ver. Não é genial, mas tem uma fotografia (ou cinematografia) bastante apreciável. Gostei.