14 de maio de 2009

"Os Filmes" #2.1


Os Filmes - E os seus protagonistas.

Quando se fala e se escreve de filmes, um dos aspectos mais consensuais é a apreciação dos seus protagonistas. Pegando como exemplo a atribuição de prémios na àrea do cinema, não raramente se verifica que as categoriais individuais são as de maior previsibilidade. Mas será então a análise da representação assim tão linear?

Um ponto sobre o qual sobejam opiniões distintas é o que questiona 'quanto' do actor deve estar presente na representação. Se um bom actor é aquele que nos faz esquecer ele próprio e que inventa uma nova pessoa a cada papel, ou o que transfigura o seu próprio carácter à imagem da personagem, sem no entanto perder o seu âmago, adicionando uma autênticidade que transcende o que estava escrito à partida.
Sobre as mulheres de 'Sonata de Outono' de Ingmar Bergman, João Bénard da Costa perguntava-se onde acabavam a Eva e a Charlotte e começavam a Liv Ullmann e a Ingrid Bergman.
É essa mesma interrogação que faço quando abordo os papéis principais de "The Wrestler" e "Gran Torino".



Walt Kowalsky é um veterano da guerra da Coreia e reformado de uma linha de montagem da Ford. Viúvo, carrega no seu esgar uma solidão crespuscular, à qual se agarra como auto-defesa de um novo mundo que o rodeia sem que ele o compreenda.

A verdade é que em Kowalsky, não vemos só Kowalsky, vemos o Dirty Harry, vemos o imperdoável Bill Munny e até mesmo Blondie. O sobrolho carregado de Walt traz-nos todos estes seres do imaginário Eastwoodiano, que tanto lhe valeram os elogios dos cinéfilos como lhe conferiram uma aura de rudeza, típica de uma figura intratável.
Eastwood, recorrentemente rotulado de ultra-conservador, nacionalista, por alguns mesmo acusado de racismo, sempre desenhou nos seus personagens uma austeridade altiva, e difusas impressões de machista e justiceiro sem lei.
Walt Kowalsky mostra tudo isso, e é com Walt Kowalsky, que Clint Eastwood desmonta todo esse estereótipo. Fá-lo numa apoteose que cativa e depois arrebata. E assim assistimos, compassadamente e num tom profundamente harmónico, a uma descida à essência.
Clint despede-se do espectro visível do cinema com o seu melhor papel, ou, na melhor das definições, com o seu papel definitivo.

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